sábado, 19 de dezembro de 2009

O engajamento abolicionista e os literatos em Belém no Final do século XIX


Nas questões referentes ao abolicionismo é possível perceber que realmente nossos literatos tinham em mente que a escravidão significava um atraso para o crescimento do país de maneira geral. Mas algumas questões nos chamam atenção, como por exemplo: como o escravo era visto pelos literatos, escritores e intelectuais do período? O que realmente significava a abolição?
Talvez seja difícil encontrar respostas concretas a respeito de tais questionamentos, visto que estudamos as idéias de quatro literatos do período destacado, mas tentaremos inferir a idéia que aparece nas suas obras.
A questão escravidão e abolicionismo não aparecem de forma enfática como relata Azevedo, “se inflamavam de ardor patriótico e de sentimento altruístico, em prol da extinção da escravatura[1].
A questão escravatura e abolicionista é mencionada com mais incidência nas obras de Juvenal Tavares: “A viola de Joana” e “Serões de mãe preta”. O tema acaba se tornando inerente a obra pelo fato de ambas terem como personagens principais  escravas.
Mas especificamente sobre a questão referente, percebe-se que o autor expõe um ponto de vista um tanto quanto “ingênua” a respeito da escravidão, onde segundo ele o escravismo não era uma instituição tão rígida, ou seja, no Pará, exclusivamente diferente do resto do país, a relação escravo e senhor de escravo era baseada numa convivência amistosa, harmônica, sem existência de conflitos de interesse que pudesse perturbar esta ordem estabelecida, reforçando a idéia de que “ também os escravos fazem parte da família”[2]
Parecendo haver uma intenção em de deixar claro que não havia, no Pará, nenhum sistema disciplinar, como castigos, torturas ou outras formas de tratamento desta natureza, a fim de subjugar o escravizado. O próprio literato relata em seu texto esta idéia: “para ele havia a senzala, casa desconhecida entre nós; o bacalhao e outros suplícios infantes, instrumentos cruéis com que seviciavam e o levavam a mesma estiva com que os animais irracionais. Aqui não[3]
Essa idéia, no entanto pode ser contraposta com a de outro escritor da mesma época que narra naturalmente no seu texto “A filha da baroneza” a existência de senzala de castigos disciplinadores

Mas, o senhor barão deve convir que soltar o André que desrespeitou as ordens superiores, é um mao exemplo que pode trazer funestas conseqüências.
(...)

Ou então quando o mesmo ordena que castiguem um escravo por desrespeitar a sua autoridade e colocar se no seu devido lugar de escravo
 

E virando-se para o feitor,  prosseguiu: - manda que dispam a camisa d’este homem!...agora amarrem n’o sobre este banco!...o látego; e tu André que és mais robusto dá-lhe até que haja deixado de existir!...E cruzou os nervosos braços sobre o peito, impossível como uma esphinge, e pronto a presenciar o espetáculo até ao fim.

 Enquanto Acrisio Mota, não hesita em mostrar a escravidão talvez de forma mais clara e nítida não se importando em destacar os castigos, e a maneira como os escravos eram tratados, ou seja, dependia do cumprimento das ordens do seu Senhor ou sofreria as conseqüências. E em nenhum momento destaca a importância do escravo na casa como autoridade complementar aos dos senhores, ou de “membro da família”. Ao contrário a única autoridade é o Proprietário do escravo.
Juvenal Tavares, também reconhece a existência de relacionamentos entre escravos e Senhores não tão amistosos e harmônicos, passível de tratamento autoritários e tiranos. Mostrando que a escravidão estava submetida, além do fato do escravo não ser dono nem de si mesmo,  a castigos  e torturas:

Já se foi o tempo
Do tirano mestre André
Que com quatro badaladas
No punha logo de pé

Ou no trecho

Veras, mulatinha bela,
Que varinha de condão!...
                             - faz esquecer ao cativo
                            - as dores da escravidão;
faz desprezar os deleites  da própria redenção[4]

Mas, apesar da descrição o autor parece não ter a clareza  realmente da questão, ou talvez queira passar uma imagem positiva da província em relação ao escravismo, e acaba por exibir um pensamento contraditório a respeito do mesmo. Pois o que diz em um momento, logo depois é desdito, uma ora favorável à abolição, em outro nos faz entender que a escravidão não era algo tão maléfico, que em certas ocasiões é preferível permanecer escravo., ou mesmo “desprezar os deleites  da própria redenção”
Essa visão contraditória de Tavares aparece em um dos contos da referida obra, onde nos remete a possibilidade de que as vezes, dependendo da situação é preferível permanecer no cativeiro: “eles são livres, mas a liberdade deles, sempre sobressaltada, e mais penosa que o cativeiro do cão”.[5]
Uma idéia um tanto surpreendente para alguém que luta pela abolição, como fica claro em “A viola de Joana”, nesta obra a questão escravismo aparece atrelada a idéia de redenção, acredita-se, que também perpasse o significado que os literatos atribuíam a abolição, ou seja, salvação ou libertação dos escravos e a sua emancipação,

No dia das grandes festas
Da redenção que se espera
Eu faria espalhafatos
Ai! Joana, se eu pudera

Percebe-se, portanto, que a abolição era esperada, mostrando que os escravos não estavam passivos diante de sua condição de escravo, pelo menos tinham a consciência de que não permaneceriam cativos por muito tempo.

Minha Joana esta livre
livre, livre como o vento;
livre, livre como as ondas
Livre, como o pensamento
Não é so o ventre dela
Que goza da liberdade
Da cabeça até os pés
Ela é sua propriedade

O trecho acima no remete a transição da situação de cativo para liberto, dando-nos a entender que diferentemente da idéia de Juvenal no prefácio de Serões de mãe preta, quando no fala da situação agradável do escravo no Pará, aqui se tem à certeza de que não era bem assim, e que o escravo não estava satisfeito muito menos passivo diante da escravidão.

Quando quer da seus passeios
Vai aqui, vai acolá
Acabou-se a nhanha velha
Não conhece mais sinhá

Deixando implícita também a idéia de que existia uma certa fidelidade do escravo para com o seu senhor, que se rompe bruscamente com a liberdade. A partir de então o cativo não a reconhece mais, ou seja com se uma espécie de laço ou elo fosse quebrado, e o escravo reconhece que não é mais propriedade de ninguém, só pertence a si mesmo como o autor mesmo ressalta:“da cabeça até os pés ela é sua propriedade.
A importância da obra de Tavares se de pela facilidade com a sua obra e suas idéias circulava entre a população de Belém da época, difundindo as idéias de liberdade entre todos. No entanto, essas idéias não parecem ter influenciado na conscientização do abolicionismo, visto que a obra foi publicada em um período posterior a conclusão do abolicionismo.Mas o mesmo pode ter publicado fragmentos de sua obra no jornal antes de sua publicação, como era extremamente comum na época, fato este que não foram evidenciadas em nenhum momento nos jornais pesquisados.
Neste sentido o folhetim de Acrisio Mota parece mais favorável a levantar questões sobre o escravismo.o título “a Filha da baroneza”, onde se trata de uma narrativa a respeito do envolvimento amoroso entre escravos e senhores. Num primeiro momento se ressalta que o escravo no texto não aparece como uma pessoa consciente de seus interesses, nem almeja a liberdade, seguem apenas as ordens de seus senhores, agindo unicamente quando solicitados, parecendo às vezes meros figurantes no texto.
Nos remetendo também para aquela idéia de fidelidade do escravo para com o seu senhor, Podemos  citar como exemplo o próprio texto, ou seja, quando o escravo Marcos, se arrepende do envolvimento com a filha do barão, sente-se culpado pela sua morte, e assim é relatado o memento em que o mesmo é se encontra ao lado do corpo do seu Dono: “ajoelhou-se e murmurou uma oração fúnebre por entre copiosas lágrimas”. Esse trecho nos remete a idéias do escravo bom e fiel, praticamente sem vontade, sem consciência, pronto apenas para servir.
Por essa postura o literato não deixa margem para se efetuar uma reflexão a favor da abolição, redenção ou libertação do escravo. A escravidão, a cor, o escravo são coisas que parecem impressa na sociedade, tão distante da sociedade branca e civilizada que nem o amor pode superar.




[1] AZEVEDO,  J. E. Antologia Amazônica, pp . 13
[2] MATTOSO, Katia M. Queiroz. Ser escravo no Brasil, pp 124. ed. Brasiliense, 1988
[3] TAVARES, J.”Serões de mãe Preta”. Pp. 20
[4]  Estava esperando o estrondo acontecimento de 13/05

[5] TAVARES, J.”Serões de mãe Preta”. Pp. 34

BIBLIOGRAFIA


ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS. Introdução à Literatura. Covis Meira  Belém.CEJUP 1990.
AZEVEDO, J. E. Antologia amazônica. Casa editora Pinto Barbosa. Belém. 1904
AZEVEDO, J. E. Literatura paraense. 2ª. Ed. Oficinas gráficas do Instituto Lauro Sodré, Belém. 1943.
MEIRA, Cecil. Introdução ao estudo de literatura. 5. ed. Imprensa universitária. Belém,1988.
 



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