quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

UM POEMA COLONIAL ÉPICO

            O período colonial foi um dos mais difíceis momentos aos colonizadores. Tendo os Murha, como um povo inimigo, sendo totalmente vencidos pelos portugueses no final do século XVII. Henrique J. Wilkens, português, soldado e poeta, escreve um poema, onde descreve a luta desse povo amazônico. É um importante escritor amazonense e paraense.

            “A Murhaida” ou a “conversão e reconciliação do gentio muhra” é uma epopéia, pois narra fatos históricos, que destacam a coragem dos muhras e o seu extermínio pelos portugueses. Foi elaborado na metade do século XVIII, publicado em 1819, pela imprensa régia de Portugal, é um trabalho que antecede aos de Bento Tenreiro Aranha.

            Mas o que se pensa quando se fala em Literatura da Amazônia?

 De maneira geral, um reconto dos mistos que permeiam o cotidiano das populações ribeirinhas com o maravilhoso nativo, como o Boto ou o Curupira, ou ainda dariam destaque aos  naturalistas Martius e Spix, Bates e Wallace.

            Entretanto, há uma tradição literária que remonta ao século XVIII. Todas as manifestações culturais típicas e tradicionais da Amazônia, suas devoções, suas técnicas, sua produção, sua arte, sua dramaticidade, seu messianismo, seu lazer e suas consolações refletem essa alma conturbada e sonhadora do século XVIII, que circula desde a Alemanha de Goethe até as minas de prata do Peru; desde os progressos nos ideais de justiça, até o massacre dos povos da Amazônia; desde o sacrifício de Tiradentes, até a presença da Inquisição na Amazônia.

            Em 1785, Henrique João Wilkens (1736-1800?) instaura a poesia na Amazônia com o épico “A Muhraida”. Um hino ao genocídio perpetrado sistematicamente contra os índios.

            Wilkens mesmo, assim como Antônio José Landi (1708-1790), participa de alguns descimentos – transferência de tribos inteiras do lugar de origem para as missões religiosas. Juntos atuam, em 1755, no rio Negro. Wilkens, depois, como comandante, vai a uma expedição no rio Japurá (1781), última referência numa cronologia que não cita a data da morte.

            O poema de Wilkens não tem grandes enlevo de heroísmo, nem paixão pelo poder ou conflito amoroso. Mais do que equilíbrio da escritura, o que se lê, em “A Muhraida”, é quase um relatório preciso, para não dizer frio, sobre os acontecimentos narrados. Não há o maravilhoso pagão dos épicos clássicos, nem o maravilhoso cristão dos poemas ocidentais.

            O manuscrito de Wilkens é publicado em 1819 pelo padre Cipriano Pereira Alho, com “A Muraida” ou “A Conversão e Reconciliação do Gentio-Muhra”

            Nesta edição, Alho faz algumas modificações de palavras ou versos inteiros. O estilo de Mahuraida é definido como mais direto, incisivo e claro.

 Trechos De "A murhaida":
 
CANTO 1º

Argumento
Mediante a Luz e Graça que se implora
De quem é dela Fonte; Autor Divino,
A Musa Época indica que até agora
De horror enchia o peito mais ferino.
Do Mura a examinar, já se demora,
Usos, Costumes, Guerras e o Destino,
Que, entre as informes Choças, inaudito,
Ao Prisioneiro dá, mísero, aflito.


Canto 3.º        


Atentos ouvem todos a proposta,
Ainda que estranha, sem maior reparo,
Pois a Verdade bela nada oposta
É bárbara fereza, ou peito avaro.
Mas entre os Anciões, um Velho encosta
A ressecada mão, com gesto raro,
Na negra face adusta, e enrugada,
Estremado responde, em Voz irada.
Oh, dos teus poucos anos, louco efeito!
Da confiança vil, temeridade!
Que atenção nos merece, ou que conceito,
Conselho, que envilece a tua idade?
Queres, que ao ferro, generoso peito
Entregue a Paz? Ou perca a liberdade,
A doce liberdade, o valeroso
Muhura, em grilhão pesado, e vergonhoso?

Já não lembra o agravo, a falsidade,
Que contra nós os Brancos maquinaram?
Os Autores não foram da crueldade?
Eles, que aos infelices a ensinaram?
Debaixo de pretextos de Amizade,
Alguns matando, outros maniataram,
Levando-os para um triste Cativeiro,
Sorte a mais infeliz, mal verdadeiro.

Grilhões, Ferros, Algemas, Gargalheira,
Açoutes, Fomes, Desamparo e Morte,
Da ingratidão foi sempre a derradeira
Retribuição, que teve a nossa sorte.
Desse Madeira a exploração primeira,
Impediu, por ventura, o Muhura forte?
Suas Canoas vimos navegando,
Diz, fomos, por ventura, os maltratando?

Para os alimentar, matalotagem
Buscava nosso Amor, nosso cuidado;
A Tartaruga, o Peixe na viagem
Lhes dávamos, e tudo acompanhado
De frutas, e tributos de homenagem,
Em voluntária oferta, que frustrado
O receio deixasse; a Confiança
Aumentando, firmasse a Aliança.

Que mais fazer podia o Irmão? O Amigo?
Que provas queres mais de falsidade?
São estes entre os quais buscas Abrigo?
É nesta em que te fias amizade?

Ah Muhura incauto! Teme o inimigo
Que tem de falso toda a qualidade.
O que a força não pode, faz destreza,
Valor equivocando co’a Vileza.

Assim falando o Velho se levanta,
O lento passo ao Bosque encaminhando.
Mas o Orador de nada já se espanta,
Pois tal oposição stavaesperando:
E como nele obrava força santa
De um Deus, que o mesmo esforço ia aumentando;
Nos bárbaros infunde um tal conceito,
Que a preferência alcança, co o respeito.


Do Canto 6.º


Mas já na Habitação do eterno dano,
O Príncipe das Trevas, Monstro informe,
Já no Sucesso vendo todo Arcano
Da Providência Santa, deu o enorme
Sinal acostumado, que do humano
Inimigo Esquadrão, negro, disforme,
Veloz, qual pensamento, logo ouvido,
Se ajunta, na aparência, destemido.

Eia, lhes diz, briosos Companheiros!
Dignos todos de eterna, milhorsorte!
Já que igualar quisesteisos primeiros,
A aquele Deus, que rege a Vida, a Morte
Já que poder soimenso, prisioneiros
Fazer-vos pode, e por Barreira forte,
O imenso espaço pôr, que daqui dista
Ao Céu, que já se nega à nossa Vista.

Os olhos levantai, vede essas Feras,
(Pois serem racionais, só a forma indica)
Já quase a substituir-nos nas Esferas
Celestes destinadas; já publica
Veloz a Fama, conjecturas meras,
Que só a credulidade justifica.
Mas temo, desprezada esta aparência,
Se realize a ruinaco’evidência.

Ide pois precaver a contingência,
Não se perca da Presa a milhorparte;
As luzes lhe ofuscai da inteligência,
Empenhe-se Valor, destreza, e Arte.
Não se atribua nunca a Negligência
O desprezo do Aviso, pois reparte
O injusto Fado com desigualdade,
Poder, Ventura, e infelicidade.

Qual de Etna, ou de Vesúvio vasta entranha,
Fermentando indigesta Massa ardente,
Da repleção efeito, arroja estranha,
Temível, larga, ignífera Torrente;
No trânsito impetuoso quanto apanha
A cinzas reduzindo; indiferente
À dura penha, à flor, Jardim vistoso,
Casal humilde ou Povo numeroso.

Eia, lhes diz, briosos Companheiros!
Dignos todos de eterna, milhorsorte!
Já que igualar quisesteisos primeiros,
A aquele Deus, que rege a Vida, a Morte,
Já que poder soimenso, prisioneiros
Fazer-vos pode, e por Barreira forte,
O imenso espaço pôr, que daqui dista
Ao Céu, que já se nega à nossa Vista.

Do Império assim das Trevas vai saindo,
Qual Torrente a Coorte, em Chama involta;
O denso fumo os Ares já cobrindo,
Pestífero vapor, intenso solta.
Nas vastas Regiões se difundindo
Vai do Amazonas, Infernal Escolta;
Dos Átomos parece a qualidade
Neles se identifica, e quantidade.
(...)

Já aflitos, pensativos, dispertando,
De ideatal enfim preocupados;
Só mortes e vinganças respirando,
Já lhes tardava os ver executados.
Mas o Anjo Tutelar, que vigiando
Estava, e lamentando os enganados,
Armado do poder do Onipotente,
Tudo faz que se mude de repente.

Inspira a todos novo ardor, desejo,
De discernir o engano, e a verdade;
Ao Tentador infame, e seu Cortejo,
Sepulta na infeliz eternidade.
Faz, que ao rancor, universal festejo,
Entre os Muhras se siga, a brevidade
Do Embarque se procure; realizados
O fim proposto, os meios desejados.





BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Compêndio das Eras da Província do Pará. Belém: Edufpa, 1969.


ROSÁRIO, José Ubiratan. Amazônia, processo civilizatório: apogeu do Grão-Pará. Belém: Edufpa, 1987.


TREECE, David H. Introdução crítica à Muhraida. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, v.109, p. 205-275, 1989.


WILKENS, Henrique João. Muhuraida ou o Triunfo da Fé – 1785. Anais da Biblioteca

Nacional. Rio de Janeiro, v.109, p.79-165, 1989.

WILKENS, Henrique João. A Muhraida ou A conversão e conciliação do Gentio-Muhra –

1819. Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, v.109, p. 167-204, 1989.



BOGÉA, José Arthur. O MURA E A MUSA. – 2003


Sites consultados:
Acesso em  03/02/2010






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