sexta-feira, 5 de março de 2010

SALVE!

O poema “Salve”, de 1888, autoria de Juvenal Tavares, é de exaltação a natureza regional. Destacando a beleza e a riqueza das florestas e rios da Amazônia.
Neste poema, o autor declara que o melhor para o homem seria viver de forma harmônica com a natureza. Sugerindo um sentimento de descontentamento com os brasileiros da época (por exemplo: Fagundes Varella a quem se refere como: “brazileo vate malfadado”), talvez pelo abandono ou indiferença que pousa sobre a região.
Ressalta, ainda, que nem todos os brasileiros têm o privilégio de viver em uma região de natureza tão exuberante. E isso, seria motivo de orgulho.
Outra perspectiva importante que podemos observar, a partir do poema é a chamada de atenção para a tomada de consciência para a preservação e conservação da natureza.
Observem, também, a diferença do português da época. E quantas palavras que não fazem mais parte do nosso vocabulário!



SALVE!

Aos rios e as florestas da Amazônia.

Eu vos saúdo, ó rios da minha terra!
Ó florestas também eu vos saúdo!
Vós gigantes immensos, prole ativa
Da altiva natureza...rios, florestas
Irmãos gêmeos da filha de Colombo,
Ornamentos soberbos, portentosas
D’este portento- América chamado;-
Berço ingente, que ouvindo oi meus vagidos,
- qual moysés flutuando sobre o Nilo;
desencantada atlântica sublime,
emergida do fundo do oceano
por mãos d’aquele que os mistérios rege!






Rios caudaes! Florestas seculares!
Vós colossos coevos do planeta
Que eternamente gyra em sua órbita,
Fazendo coro com os outros mundos
No cortejo do rei firmamento!...
Eu só eu mesmo, eu sim! De vos sou digno
Como dignos do ceo são só os astros!




Vós, rios, sois meus irmãos, e vos, florestas,
Minhas irmãs...meu gênio vos abraça
Vos compreende, vos sente e vos domina
Vossa grandeza, em vez de amesquinhar me,
Me torna também grande; e pois sublime
Se quero eu ser, me basta contemplar vos.




Aprendi a falar na mata umbrosa
Ao brado ciciar da meiga brisa
Pela fronde rendada do arvoredo
A correr aprendi por essas praias
- vastos lençóis de areia, - onde vós, rios,
espriguiçaes-vos indolentemente
como sultões em leito adamascado
florestas, vossas aves me ensinaram
os hinos, que entoei ao romper d’alva,
e os trenós, que gemi pelo crepúsculo.
Meus gemidos, ó rios, e meus soluços,
- quando, às vezes, soluço e quando gemo-
estudei nos murmúrios que vos tendes
ou que tem vossas trepidas correntes
outros mestres não tive, nem tão pouco
tive outra escola, alem da natureza.




Não tenho inveja d’esse bardo infreme, [1]
Contor de Child Harold, quando arroubado,
Em estrophes esplendidas, saúda
Tua beleza, ó túmido Oceano!
Nem tu, brazileo vate malfadado[2]
Com teus versos sublimes e brilhantes,
Não me levas vantagem pelo assumpto.




Nunca louvei o mar...mas, que me importa!
Acaso eu não te canto, ó amazonas!
E o Tocantins também, - tão rico e grande, -
Majestoso não sois, inseparáveis,
Quando ides, arrogantes soberanos, cuspir a face ao proceloso atlântico!
Outros cantem, não eu, suas bravatas.
Sua presença a alma nos desola
Cobrindo a de tristeza funda, estéril.
Ceos e águas...o abyismo do infinito!
Se o homem ergue a vista, o vácuo o assusta;
Se abaixa os olhos, la presente a morte...
Atroz dilemma que acabrunha o espírito!




no seio d’estas selvas unbertosas,
nas margens d’estes rios caudalosos,
quanto prazer encontro, e paz e vida!
A taça do viver sempre extravaza
De delicias edenicas; e os annos,
Na ampulheta do tempo, se escoando
Vão plácidos, tranqüilos e felizes,
Com a s brandas correntes d’estes rios.
Quando alveja a manha, resoa a orchestra
Da natureza n’estas mattas virgens.
Quando o sol se despede do ocidente
Há nos bosques gorgeios de mil formas;
Quando a noite desdobra o negro manto,
Uma harmonia mystica se eleva
Da terra a Deus; e na amplidão das águas
Cristalinas, diaphanas, quietas,
Vem espelhar-se os astros cintillantes
Dois ceos então parece comtemplar-se




Cantor da natureza, eu me deleito
Em cantar o que é grande, eterno e bello.
Nunca aviltei meu estro erguendo loas
E baixo, e vil, e sórdido epenicio
Junto d’um trono, nos pés d’algum monarcha.




Ó reis da esplendorosa natureza,
Vetusto cedro, secullar Pau d’arco.
A vossa sobra afina a minha lira
Reclinado no seio da morena...
Vós, cuja fronte não se curva nunca
Ao sopro do destino e nem levanta
Qualquer capricho humano, como os déspotas
Que os povos tem na mão como joguetes,
Mas que, mau grado seu, sempre são nadas.




Ó rios da minha terra, possa eu sempre
Sulcar as vossas ondas, tão alegre
E tão descuidoso de paixões mesquinhas;
E, na ygara do amor, o amor cantando,
Entre os sorrisos das gentis morenas,
Corram meus dias pelo rio da vida,
Até perder-se no infinito pego.




Florestas, possa eu sempre, em vosso seio,
Nas brenhas dos espessos arvoredos,
Esquecidos dos homens e do mundo.
Gosar da paz, a te que a morte venha
Suprhender-me nos braços d’estas fadas
Que de ilusões povoam-nos os dias,
O peito a transbordar de mil prazeres...




.... ... ... Então, meu Gênio,
adejando nos paramos infindos,
p’ra sempre abandonado a terra nega,
- esta mansão da dor, antro do crime.
Vá prender-se nos raios d’algum astro.


Na margem do Tocantins, 1888.


Luiz Tavares
 

AZEVEDO, J. E. Antologia amazônica. Casa editora Pinto Barbosa. Belém. 1904.
AZEVEDO, J. E. literatura paraense. 2ª. Ed. Oficinas gráficas do Instituto Lauro Sodré, Belém. 1943.
MEIRA, Cecil. Introdução ao estudo de literatura. 5. ed. Imprensa universitária. Belém, 1988

Jornal
DIARIO DE NOTICIAS-1888

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