terça-feira, 16 de março de 2010

A MULHER na literatura paraense do século XIX



 Tema muito presente na literatura paraense, do final do século XIX, se refere às mulheres. Mas, afinal o que se fala sobre as mulheres da época? A que mulher eles se referem (popular/ aristocrática)?
Segundo Almeida[1] na referência a literatos e jornalistas da época, era indubitavelmente, o modelo ideal de mulher, numa sociedade cujas elites defendiam um projeto modernizador, era o da senhora branca, cujo comportamento era marcado pelo recato, pela elegância, pela altivez, pela instrução enfim (...) (A Mulher Existe? Pp.29).
Sendo, portanto, comum a desvalorização das mulheres negras, trabalhadoras, pobres em comparação as mulheres “da alta sociedade”, brancas e de preferência passiva, recatada, submissa e emocionalmente vulnerável. Associada a figura da virgem Maria. Assumindo o papel redentor de mãe e esposa.
Esse modo de pensar também è reforçado em Maia[2] que mostra a como a alta sociedade se preocupava com a formação e comportamento das suas filhas. Dessa maneira, a saída era os
Colégios católicos femininos, sob a direção de ordens religiosas européias (...) satisfazendo os anseios das famílias tradicionais da sociedade paraense, na medida em que a romanização representa igualmente a europeização, oferecendo as elites conservadoras institutos católicos, onde suas filhas podiam desfrutar, sem precisar envia-las ao velho continente. (A Mulher Existe, pp. 06)
Interessante perceber nos estudos a respeito das mulheres um aspecto discriminatório e preconceituoso, quando, pesquisando as obras do período, percebi que os literatos vão dar ênfase, por algum motivo, a vida e o exemplo das mulheres de vida simples, sendo pouco espaço relegado às mulheres elegantes da alta sociedade.

Exemplo de obras pesquisadas:
1. Serões de mãe Preta [3]

Na obra pesquisada, “Serões de Mãe Preta”, e de autoria de Juvenal Tavares descreve um pouco da mulher “comum, isto é, oriunda de segmentos populares, do povo, que convive diariamente nas ruas da cidade de Belém, podendo ser a escrava, a mulata e / ou a trabalhadora.
Em “Serões de Mãe Preta”, Tavares dá destaque à mulher escrava, a “Mãe Preta” que possivelmente era um tipo de babá ou governanta, que teria a obrigação de criar os filhos da sua Senhora. Segundo o autor “Mãe Preta é um tipo legendário criado pela escravatura” (Serões de mãe preta, pp. 20).
Na introdução de “Serões de Mãe Preta”, Tavares perpassa uma visão romântica da escravidão do Pará, em que, segundo ele, o escravo possivelmente seria feliz em sua condição de propriedade de outrem. Portanto, “o escravo era tratado como membro da família, guardando apenas a distinção que naturalmente existe entre o criado e o patrão” (pp. 20)
Assim sendo a “Mãe Preta” compartilhava com a dona da casa a autoridade do lar, como o autor ressalta,  
(...) outra autoridade no estudo domestico, igualmente respeitável, que partilhavam com ela esse poder  :- era “mãe preta”, ordinariamente uma mulata velha séria e bondosa, que tinha a grave incumbência de criar todos os meninos da “sinhara” (pp. 20)
Para o autor, “Mãe Preta” era alguém importante na casa e com grandes responsabilidades, afinal, é ela que vai cuida, criar e “educar” os filhos de seus proprietários e senhores.
O autor utiliza uma personagem popular da região para contar inúmeros contos que, na época, já faziam parte do repertório do povo.
Mãe Preta parece conformada com a sua condição de escrava. A não ser quando através dos contos, deixa escapar alguma idéia sobre liberdade e sobre o fim do cativeiro.
Apresentando uma visão implicitamente radical de liberdade, verificado no conto “Mimi - a vítima do amor materno”, onde narra a história de filhote de pássaro que é capturado, a mãe o encontra, mas percebendo que é impossível libertá-lo, prefere matá-lo.
Mas a idéia de liberdade só aparece de maneira direta no conto: “O cão, o gato e o rato” em que ambos “Tinham sido escravos do homem, haviam obtido sua liberdade, só o cão restava no cativeiro. Depois de lutarem para conseguirem a sua liberdade os dois bichos (gato e o rato), segundo a “Mãe preta”, vivem em condições piores que o cativeiro do cão. “Eles são livres, mas a liberdade deles é sobressaltada, é mais penosa do que o cativeiro do cão”.
Confirmando o ponto de vista que o autor demonstra ter sobre o escravismo, ressaltando, que em algumas situações, era preferível permanecer como escravo. Assim sendo a questão abolicionista em “Serões de mãe preta” aparece de maneira bem sutil.
Onde a personagem deixa apenas implícita a idéia abolicionista, mas podemos dizer de forma agradável, sem grandes críticas reclamações ou apelos. Dando a impressão de que aguarda tranqüilamente pela sua liberdade, ou talvez não.

2. Hortência[4]
Nesta narrativa a personagem Hortência é uma adolescente de quinze anos que tenta arranjar emprego para se sustentar e ajudar a sua mãe. Conseguindo o de enfermeira no hospital santa casa de misericórdia.
Percebe-se que o autor rompe em sua narrativa com o estereótipo da mulher prendada, voltada aos deveres do lar, ou seja, ao comportamento típico exigido a dona de casa em Belém no fim do século XIX. Isto é a personagem representa as mulheres que trabalham e vivem independentes.
Desta maneira, as duas obras mencionadas têm suas especificidades e características, refletindo o ponto de vista dos autores. Tendo em comum, as suas personagem: a negra e a mulata.
A mulher europeizada quase não esta presente nas obras de autores paraense. Surgindo, assim, inúmeras questões a serem consideradas, porque o lugar de destaque a negras e mulatas nas obras literárias? Se o padrão europeu é o estereótipo, e sonho da sociedade do período? Que idéias os autores tinham a intenção de transmitir?
Algumas hipóteses podem ser consideradas, a primeira seria uma espécie de modismo destacar as mulheres negras e descendentes destas, em conseqüência da campanha abolicionista que dominava a província no momento.
A segunda hipótese seria a de que as mulheres negras e mulatas fossem para a sociedade da época uma espécie de mito, despertando diversas especulações a respeito de seu comportamento e atitude. Como ressalta Cancela[5] que ao descrever uma cabocla, a de Ourém, Marques de Carvalho enfatiza: Distinguia-se pela sedutora graça de toda a sua pessoa uma jovem cabocla, de feições corretas e penetrantes, de irresistível olhar, todo malicia e promessas de prazer.  (Cancela, pp. 231)
Em “Hortência” também há a ênfase em vários momentos de que se trata de romance entre mulatos: E num instante apareceu nela o espírito de mulata paraense, todo saturado de superstições desconexas e irrazoaveis, flutuantes e tenazes, cheias de obsediações dolosas. (Carvalho, pp 53).
Ou ainda: mulatinhas cheirosas requebravam-se em sacudidas gargalhadas, ouvindo as declarações amorosas dos seus apaixonados, cujos olhares envolviam nos concupiscentes em fervidos desejos a custos reprimidos. (Carvalho, pp 93)
 Desta maneira eram vinculadas ao “trato mais liberto”, a “promiscuidade”, ou seja, as obras de literatos em Belém privilegiavam  como destaque as mulheres negras e mulatas em função de uma visão erotizada e preconceituosa que possuíam das mesmas.
 Apresentando, neste sentido, um ponto de vista de que as mesmas possuíam características físicas que determinavam como inferiores às demais, representando um outro mundo, praticamente desconhecido e ignorando pela sociedade belenense do período. Fugindo, assim, do padrão branco e civilizador.
A ultima hipótese seria a de que os intelectuais da época tinham uma consciência do contexto social em que estavam inseridos. Reconhecendo as mulheres negras e mulatas principalmente, como sujeitos ativos na sociedade e ressaltando a sua importância e papel econômico e social, dotadas de consciência critica e reflexiva. Essas idéias, portanto que os intelectuais do período mostravam uma mentalidade avançada para as circunstâncias do momento. O que não seria uma idéia totalmente estranha, já que se trata de jovens imbuídos de ideais modernos de democracia e liberdade.


[1] ALMEIDA, Conceição Maria Rocha. Imagens negras, espelhos brancos? Um estudo das mulheres negras do final do século XIX, em Belém do Pará.
[2] D’INCAO, Maria Angela, ‘Sobre o Amor na Fronteira’in A Mulher Existe? Uma contribuição ao estudo da mulher e gênero na Amazônia, Coleção Eduardo Galvão, GEPEM/MPEG, Belém, Pará. 1995
 [3] TAVARES, J. “Serões de Mãe Preta”: Contos populares para as crianças. Ed. Belém, FCPTN/ SECULT,1990.
 [4] CARVALHO, Marques de. Hortência. 1888.
[5] CANCELA, Cristina Donza. Dramas de amor na Belém do Século XIX.

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